| Resenha | Coisas Que o Tempo Levou, de Raimundo de Menezes

Título: Coisas Que o Tempo Levou
Subtítulo: Crônicas Históricas da Fortaleza Antiga
Autor: Raimundo de Menezes
Páginas: 208
Publicação: 1938 | 1977 | 2006
Editora: Edições Demócrito Rocha
Preço: A partir de R$ 20,00

"Quanta ingenuidade saborosa nas festas antigas da Fortaleza dos nossos avós! Quanta simplicidade nos folguedos tradicionais que o tempo levou! Como eras encantadora, minha cidade amada, com as tuas festanças simples como tu mesma! A tua alegria espontânea daqueles tempos chega-nos até hoje trazida pelo humor de uma raça forte e sofredora que, apesar de todas as vicissitudes, é alegre, quando devia, pelas contingências humanas, ser profundamente triste".

Coisas Que o Tempo Levou  é sem dúvidas uma importantíssima obra para todos os cabeças chata, em especial aos fortalezenses. Trata-se de uma coleção de crônicas sobre o passado da capital cearense, Fortaleza, onde somos levados a conhecer episódios peculiares e marcantes, personagens ilustres e costumes protagonizados pelos habitantes da cidade.
Os textos que compõem este livro foram primeiramente publicados na Gazeta de Notícias durante a década de 30 e posteriormente lidos para os ouvintes do Cearense Rádio Clube. Em 1938, as crônicas foram então reunidas e adaptadas para o presente livro. Já no ano de 2006, foi reimpresso pela Edições Demócrito Rocha.
Raimundo de Menezes utiliza de uma linguagem relativamente simples e humorística (típica do povo cearense) para retratar uma das melhores épocas da atual metrópole. Tempos estes de primeiras coisas, de descobertas e de notáveis acontecimentos!
São 38 textos contidos na obra e narrados por Menezes (além de dois capítulos sobre os antigos nomes das vias públicas e uma linha do tempo dos fatos históricos de Fortaleza). Destes, destacaram-se para mim, os seguintes:
  • Fortaleza dos lampiões
Essa é a primeira crônica contida no livro. Gostei dela principalmente por primeiro me transportar para a cidadezinha de povo simples do século XIX, com suas vielas estreitas e pouco iluminadas pelos lampiões, casinhas de telhados baixos e  habitantes com costumes pacatos e modestos.
Aqui também pude ver como eram as serenatas realizadas por um apaixonado para sua amada. Curioso é que quando o pai da moça acordava no meio da noite e via-a enamorada observando da janela os músicos, era a garota quem que recebia castigo. Enquanto que os rapazes escapavam ilesos.

"Os seresteiros aproximavam-se vagarosamente, inebriados de romantismo e, junto à janela da mulher amada, quedavam-se momentos perdidos, narrando, com estrofes calorosas, a história da sua paixão ardente. (...).
Dentro do casarão colonial, o pai escrupuloso despertava aos ruídos sonoros dos músicos sentimentais. Despertava e adivinhava tudo. Pé ante pé, corria ao dormitório da filha. Colhia-a quase em flagrante, debruçada na janela, namorando escandalosamente com os moços da serenata. E ali mesmo, no silêncio da alcova cálida, começavam os ralhos agressivos do pai ludibriado. (...)." 
  • O primeiro mexeriqueiro
Dessa vez, conhecemos um dos personagens marcantes daqueles tempos. Para quem desconhece o significado de mexeriqueiro, basta lembrar de alguém possuidor de língua afiada e difamadora, capaz de inventar os piores boatos sobre qualquer um que lhe desagrade. É assim que era a personalidade de João Tavares da Silva, protagonista da crônica, que se meteu em certa confusão com os vereadores da Câmara após utilizar de seu principal dom: falar mal de tudo e de todos.

"Tavares, porém, era um impulsivo, dando-se a arrelias, briguento ao extremo.
Os seus contemporâneos tinham-lhe horror à língua difamadora...
(...).
Não tinha dó nem piedade. Quem lhe caísse no desagrado, poderia estar certo que iria ao infinito, escapelando-o desapiedadamente. Se a pessoa não tinha defeitos, descobria-os, inventava-os, criava-os, com uma fertilidade verdadeiramente espantosa."
  • Os bondes de burros
O que mais me cativou nesta crônica não foi o fato de a empresa da época ter 25 bondes percorrendo toda a cidade das 8 horas da manhã às 9 e 30 da noite. Ou a disponibilidade de um bonde exclusivo para o governador da cidade, esperando-o para o levar para casa.
O que me chamou maior atenção foi a inteligência dos verdadeiros trabalhadores da empresa: os burros. Segue um trecho para explicar o que quero dizer:

"O último bonde que demandava o Benfica devia regressar à Praça às 9h30min da noite. O boleeiro e o condutor, exaustos do trabalho do dia, dormitavam, aguardando a hora da volta, sendo certo que, no final daquela linha, no silêncio da noite provinciana, se ouvia nitidamente o badalar do relógio da Intendência. Acontecia que os burros, ao escutar o badalar da hora, automaticamente, disparavam na direção da Praça do Ferreira, trazendo, às vezes, ainda a cochilar, aqueles dois funcionários, através das ruas desertas."

Os funcionários dormiam e quem conduzia o bonde de volta à estação eram os burros! Não sei você, mas eu achei isto espetacular.
Cabem aqui várias outras crônicas, no entanto, a fim de não alongar demais esta resenha, só destaquei as citadas acima.

Crônicas históricas

A crônica é um gênero de textos caracterizada por ser breve e efêmera, de linguajar simples e por vezes regionalista, em que o autor expressa determinado acontecimento do cotidiano ou expõe sua opinião acerca de algum assunto. São, em geral, publicadas em jornais e revistas ou livros.
Já a crônica histórica, trata-se também de relatar acontecimentos, porém de épocas já passadas. Esta serve tanto como fonte histórica como entretenimento, tendo sempre um texto ágil.

"O cronista histórico não deve perder completamente de vista o teor artístico que cabe a esse gênero, devendo, porém, atentar para o risco de não "enfeitar" demais os fatos abordados a ponto de esvaziá-los. Ou seja: a crônica histórica não permite a invenção ou idealização facultadas apenas às crônicas puramente literárias, não históricas." - Sebastião Rogério Ponte na Introdução de Coisas Que o Tempo Levou

Minha história com o livro

O encontrei durante minhas buscas por alguma obra que tratasse de Pedagogia para um trabalho escolar. Abandonado, porém nunca lido, o livro me pegou de supetão. E eu, apaixonado por épocas antigas, logo me afeiçoei a ele.
Confesso que, ao perceber que Coisas Que o Tempo Levou é um dos clássicos cearenses, me animei ainda mais para lê-lo. Quantos, imagino, têm vontade de voltar no tempo e conhecer os velhos costumes... e ler, com certeza, é uma das melhores formas de viajar para o passado sem necessitar de uma cabine de polícia azul.

Você deve querer saber um bom motivo para ler este livro. Aí vai um:

Conhecer o passado

É comum nos perguntarmos  qual a importância de se conhecer o passado ou estudar História. Imagine a quantidade de conhecimentos passados de geração a geração. Tudo o que foi descoberto no passado é, sem dúvida alguma, de extrema importância hoje, no presente. Imagine que tudo o que foi aprendido por nossos antepassados fosse esquecido. Como conseguiríamos então entender sobre os costumes, as pessoas, o mundo ou a respeito de nós mesmos...?
Imagine alguém que desconhece a história de seu país. Que escolhas essa pessoa poderia tomar hoje em dia sem saber que tal escolha já foi realizada anteriormente e que esta mostrou-se um erro? Vemos por aí ignorantes que não têm conhecimento algum em relação a certos assuntos simplesmente por não saberem o que aconteceu poucos anos atrás...  
Conhecer a história de seu povo, então, é uma forma de não sermos ignorantes.

"Viver sem conhecer o passado é andar no escuro." - Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi.

Raimundo de Menezes

Raimundo de MenezesRaimundo Álvaro de Menezes, fortalezense de 1903, só escreveu esta obra a respeito de Fortaleza. Sobre a cidade de São Paulo, para onde cedo se transferiu e passou a viver, deixou três livros de crônicas: Aconteceu no Velho São Paulo, Histórias da História de São Paulo e São Paulo dos Nossos Avós. Escreveu as biografias dos cearenses Paula Ney, Capistrano de Abreu, Clóvis Beviláqua e José de Alencar (biografou também nomes nacionais, como Aluísio Azevedo, Bastos Tigre e Campos Sales.)
Consagrou-se como pesquisador e homem de letras em 1969, quando publicou, em cinco volumes, o monumental Dicionário Literário Brasileiro. Além de bacharel em Direito, delegado de polícia (em São Paulo), jornalista e escritor, foi presidente da União dos Escritores Brasileiros, membro da Academia Paulista de Letras e diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo.

Biblioteca Raimundo de Menezes
Há, no Estado de São Paulo, a Biblioteca Raimundo de Menezes em homenagem ao autor homônimo. Endereço: Av. Nordestina, 780 - Vila Americana, São Paulo - SP, 08021-000.

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