Mangue - Produção Textual

Nada como um trabalho escolar para te fazer produzir algo... Seguem os capítulos de uma mini obra que escrevi em abril de 2017. Na época eu até fiz algumas artes relacionadas ao texto, mas não sei mais onde estão. Boa leitura.


I – CAINDO

C
aindo. Descendo às profundezas. Ele havia perdido a noção do tempo. Cinco, dez, trinta minutos... uma ou duas horas... ou talvez nenhum instante havia passado.
Uma única escolha o levou àquela situação desesperadora. Mangue decidira fugir. Se enfrentasse o que considerava o maior desafio em toda a vida, não estaria caindo em um buraco sem fundo.
Seus cabelos se agitavam com o mesmo vento que zumbia em seus ouvidos. A bicicleta se perdera quase no mesmo instante em que caíra. O suor de sua testa presente momentos atrás, secara. Não sentia nada. Apenas caía.
De repente, uma sensação de calor invadiu o corpo de Mangue. Avistou à sua volta paredes cavernosas e, abaixo de si, viu um minúsculo ponto brilhante.
O objeto ainda desconhecido tornava-se maior à medida que o jovem se aproximava em sua queda veloz. Aquilo logo mostrou-se em um extenso lago de água prateada. Preparou-se para o impacto.
A lisa face do lago foi perturbada com a invasão do corpo de Mangue. Um jato de água emergiu e a calmaria retornou à imensidão prateada. Não havia sinal de vida no corpo inerte do rapaz.

II – SONO PROFUNDO

A
o recobrar a consciência, pôde observar uma fogueira a seus pés. Apesar do calor que dela emanava, a sensação de frio não o abandonara.
— Caístes do céu e mergulhastes no Grande Prata – afirmou uma voz grave, porém feminina. – Após teu repouso e dejejum, contarás tua história. Agora deves voltar a dormir.
E no momento em que tais palavras foram proferidas, adormeceu num sono profundo e sem sonhos.
                                        
III - APRESENTAÇÕES
M
últiplos sons de tambores. Despertou. Luzes de tochas bruxuleavam fora de seus aposentos. Ouvia música; uma festa acontecia.
Mangue já não sentia mais frio. Apesar de dolorido, estava descansado. Levantou da cama baixa em que estivera dormindo. As paredes do local pareciam feitas de barro; pedaços de couro colorido enfeitavam o ambiente.
Logo chegaram duas pessoas.
— Vejo que acordastes de vez, embaixador do céu. – Era a mesma voz de mais cedo. Uma anciã que apesar de sua aparência frágil, carregava confiança em seu timbre forte. Analisando suas vestimentas exuberantes, deveria tratar-se de uma líder.
— Sou Abor Magna, rainha dos Altum, povo da Baixa-Terra. Este é Tacet – referindo-se àquele que a acompanhava – Braece da Sétima Região.
Em resposta à menção de seu nome, Tacet apenas acenou com a cabeça.
— Deves agora acompanhar-nos ao banquete.

IV – MAGNO FESTUM

M
angue seguiu Arbor Magna e Tacet na esperança de encontrar qualquer alimento que cessasse sua fome. Até pensar no assunto, não se dera conta do quão faminto estava.
Os três atravessaram arenas em que grupos Altum dançavam e cantavam festejando. Mangue conseguiu discernir entre suas animadas músicas algo que soava como “Nisi Caelo Missus! ”. O verso se repetia em todos os ambientes que Mangue percorria.
Enfim acomodados à grande mesa, aguardaram a chegada da refeição. Magna situava-se ao centro, em posição de destaque. Tacet a seu lado direito e Mangue, como convidado de honra, à sua esquerda. Também nesta mesa encontravam-se sete pessoas. Entre elas, Custos –rapaz de face bondosa, sentado ao lado de Mangue; Verum – de aparência sábia; Furore – de aspecto enraivecido.
Lá, presente, havia ainda uma moça, considerada por Mangue, naquele mesmíssimo instante, como a mais encantadora criatura já avistada por ele. Custos lhe informara seu nome: Prímula.
Nenhuma palavra fora proferida entre os convidados à mesa, pois a comida não tardou a chegar após Magna e seus acompanhantes sentarem-se.




V – CAELO MISSUS
A
pós a maravilhosa e satisfatória refeição, todas as pessoas da festa sentadas às mesas e também aqueles que tocavam e cantavam calaram-se para ouvir as palavras de sua soberana que se levantara.
— É com imensurável prazer que rebemos hoje, na Capital da Sétima Região de Baixa-Terra, onde se localiza o Palatium Magno, sede de todo o nosso glorioso e extenso Reino, o aguardado salvador, Caelo Missus!
Emergiu da multidão uma ensurdecedora onda de aplausos e urros de “Nisi Caelo Missus!”. A música novamente se reergueu ainda mais forte e estrondosa. Todos os Altum que ali estavam sentiram uma alegria que havia eras não sentiam.
O jovem estrangeiro, esperando que alguém mais se levantasse, não percebeu de início de quem se tratara tamanha honraria. Passados alguns instantes, se deu conta de que os habitantes da Capital o observavam admiradamente. Não entendia o significado daquele estranhíssimo termo tantas vezes repetido, mas soube que era dele que se tratava.
Levantou-se rapidamente afim de explicar o grande mal-entendido que ali se encontrava.
— Há um engano, Vossa Alteza. Não sou quem pensam. Nem ao menos sei o que significam estas palavras. Caí neste lugar estranho a mim enquanto percorria alguns trechos da superfície. Não planejava isto!
— Sim, és que dizemos que és. Dominus Caelo, o dono do céu! Diz a Profecia que aquele que cairá do céu, virá para solucionar o problema que nos atinge de uma vez por todas. Ele negará a príncipio, mas entenderá o seu destino. Os Deorum estavam certos! O salvador enfim chegou! – Garantiu Verum, o ancião.
Mais urros e palmas partiram daqueles que assistiam.
— Tu és aquele que oferecerá a Petrus Salution para nossos deuses e trará de volta a harmonia aos dois mundos.

VI – INSTRUÇÃO
M
esmo negando que era o tal Enviado do Céu, Mangue sentia em seu íntimo que era o escolhido. Estava predestinado a devolver a Pedra da Salvação aos Deuses do povo profundo e trazer saúde à Mãe Natureza.
— Grande Rainha Árvore, inicialmente não sabia do que a Senhora falava. Porém, meu coração bate mais forte e me indica o caminho que devo seguir. Por favor, instrua-me acerca desta missão... – disse Mangue ajoelhando-se perante Magna Arbor.
— Levante, meu rapaz. Não é a mim que deves reverenciar. Tu não serás instruído por mim, e sim por Verum. De agora em diante, este é teu Mestre. A ele deves obedecer cegamente e nunca, em hipótese alguma, questioná-lo acerca de seus atos.

VII – DETERMINAÇÃO
M
angue agora devia todo o respeito a seu Professor e jurou obedecê-lo a qualquer custo. O dever que lhe cabia não seria fácil e precisaria empenhar-se além de seus limites.
O jovem aprendiz foi levado para um lugar afastado de todos os Altum do Reino; fora completamente isolado. Naquele lugar isento de distrações, purificaria seu espírito e se prepararia para o momento aguardado.
Podia sentir a energia presente na aldeia para a qual fora enviado. Entendeu que aquele era um lugar antigo; repleto de histórias. Ali, aprendizes de várias gerações anteriores, meditaram e estudaram, treinaram e se esforçaram. A determinação o preencheu.

VIII - EXPLICAÇÃO
A
ntes de iniciar seu treinamento, Mangue teve de isolar-se completamente com o objetivo de limpar seus pensamentos.

O jovem meditou, exercitou-se. Caçou e pescou. Plantou e colheu. Assim como nos momentos em que estava caindo, novamente perdeu a noção do tempo.
Lembrou-se de sua família, de seus amigos. Seus medos, amores, dores, alegrias, tristezas... Estava completamente focado agora; seguiria sempre em frente.
Em sonho, Dominus Verum o avisou que seu treinamento se daria no dia seguinte.
Mangue se surpreendeu ao avistar uma bela jovem de expressão inexplicável. Ela transparecia confiança e sabedoria apesar da aparente pouca idade. O rapaz não compreendia o motivo de seu mestre não vir em pessoa, porém, lembrando-se de seu juramento íntimo, não fez questionamentos.
— É importante que entendas o motivo de toda esta missão. Estou aqui para informa-lhe acerca disto e de outros assuntos. Como já deves saber, sou Prímula, a terceira na linha de sucessão ao trono do Reino de Baixa-Terra. Tenho competências o suficiente para guiá-lo, pois eu mesma fui instruída por Verum. É este o motivo de minha vinda e não a dele, se estava se perguntando. Dúvidas sanadas, seguimos em frente.
Prímula então explicou todo o contexto por trás da situação em que Mangue se encontrava:
“Há muito tempo, os dois povos gerais de Terra Mater viviam em consenso. Sem contato, era este o acordo. Enquanto um povo não adentrava no território do outro, não havia problemas.
“Certa vez, porém, humanos afoitos, em busca de tesouros e outras valias, invadiram as terras alheias, ocasionando conflitos. Não se sabe quem deu origem a este movimento, por isso, não consideramos que exista um verdadeiro culpado.
“O que se seguiu foram ondas crescentes de violência e consequentemente, a Grandiosa Guerra Mundial. Foi e sempre será o maior combate de toda a história deste Sistema Solar. A Terra quase foi completamente devastada. A Mãe Natureza demorou eras para recuperar-se.
“Tamanho conflito gerou desagrado aos Deorum. A Petrus Salution, segundo os sábios de nosso povo, é a maior relíquia herdada daqueles tempos. É, sem dúvidas, o tesouro a ser oferecido para acalmar os Deuses.
— Outro conflito pode estar a caminho se não agirmos rápido. Pode não demorar muito para que os humanos da superfície encontrem o caminho pelo qual você veio, Caelo.
— Se esta Guerra foi tão extraordinária quanto diz, por que nunca ouvi falar dela?
— As autoridades competentes da época se organizaram para destruir qualquer documento ou vestígio do que ocorrera. Seria uma mancha eterna na história de todos. Nós também não queríamos mais invasões e violência.
Mangue não podia deixar que a atrocidade daquela época voltasse a acontecer. Agora, mais do que nunca, estava comprometido a buscar seu objetivo de salvar a todos.
“É possível que a Natura Mater não resista desta vez” – pensou consigo.

IX - PRÍMULA
O
 tempo que se seguiu foi de maior aproximação entre o jovem Mangue e Prímula, herdeira do Trono. Havia certa sintonia entre os dois.
A cada novo dia, a vontade de ficarem juntos crescia, como tinha de ser.
A beleza da moça o encantava, suas formas de pensamento e expressão o conquistavam. Seus gostos e gestos, curiosidades e loucuras provocavam o riso de Mangue. E a cada sorriso, um olhar diferenciado. E a cada olhar, uma batida mais forte no peito.
O rapaz, porém, era o único que ainda não sabia o que iria ocorrer.

X – O MOMENTO CHEGA
P
ela segunda vez, Verum lhe apareceu em sonho avisando-o que retornasse à Capital da Sétima Região, pois se daria o momento esperado. Seu treinamento enfim fora concluído.
No dia que se seguiu, retornou para a principal cidade do Reino. Observou o Grande Prata e as memórias que surgiram lhe pareceram tão distantes quanto sua vida na Superfície.
Foi sentado à beira da imensidão prateada, em silêncio, que teve uma visão. O futuro não seria generoso com o jovem, mas seus atos salvariam a todos.
Não se amedrontou, preferiu tentar se conformar. Um único e simples fato o impedia de alcançar este estado de conformidade: o sentimento desenvolvido por Prímula, que agora se fortificava ainda mais.
Desde o dia do Magno Festum, soubera que não ficariam juntos. A bela fora prometida, ainda criança, ao Reio Furore das Terras Distantes de Desper.
Agora sabia que nem mesmo a veria novamente após o evento final. O acontecimento que demarcaria o retorno da saúde à Mãe Natureza.
Sentiu uma mão apertar seu ombro.
— É chegada a hora, criança – disse complacente, o sétimo Braece, Tacet.

XI - SACRIFÍCIO
N
ão houve música ou comemoração. Era um momento de apreensão e melancolia.

Reunidos no Centro da Capital, em frente ao Arbor Palatium, estavam – Magna, imponente e exuberante; Furore, que nunca mudava sua expressão irritadiça; Verum, seu mestre; o jovem Custos; o Sacerdos Beatus da cidade e ela, Prímula – aquela por quem sentia todo o amor que houver nessa vida.
O Beatus pronunciou palavras de um linguajar tão antigo quanto o Deus Sol e abençoou o Caelo Missus.
Mangue lançou um último olhar a todos, especialmente a Magna Arbor e observou demoradamente Prímula, a quem dirigiu um sorrisinho de despedida.
Virou de costas, fechou os olhos, estendeu as mãos. A bela Pedra da Salvação encontrava-se com ele. Se ainda restava dúvidas de quem Mangue era, estas foram extinguidas.
A Petrus emitiu um brilho dourado cegante e se apagou. Alternava-se de verde para amarelo; de amarelo para vermelho e de vermelho para azul; e ao mesmo tempo, era também transparente. Um forte poder emanava daquele objeto precioso.
Mangue ascendeu por sobre o lago prateado e liso. Estava voltando pelo mesmo lugar que entrou. Percorreu todos os ambientes do Planeta Terra e ainda assim, nenhum instante se passou. Viu-se então com o Sol à sua frente. Lentamente, a Pedra o levou em direção ao grande astro.
Toda a coragem reunida durantes os dias de meditação se esvaiu. Agora não havia mais volta.
Por sua cabeça, passaram os rostos de todos aqueles que conhecera ao longo de sua vida. Os bons e os maus. Seus entes queridos, seus amigos, seus inimigos, Prímula...
— Adeus – falou baixinho.
E o Sol o consumiu. A pedra desapareceu. Mangue se sacrificara.







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